Traumas e desafios do abortamento espontâneo

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A perda de um bebê durante a gestação é um processo doloroso e muitas vezes silenciado, que requer apoio emocional

Apesar de ser mais comum do que se imagina, o abortamento espontâneo ainda é envolto em silêncio e tabus, deixando muitas mulheres e famílias vulneráveis ao sofrimento solitário.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o abortamento é definido como a interrupção da gravidez antes das 22 semanas, envolvendo um feto com até 500 gramas ou 16,5 cm. No Brasil, ele é a quarta maior causa de mortalidade materna, destacando-se como uma questão de saúde pública, diferentemente de países desenvolvidos onde essas taxas são bem menores.

De acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 10 a 25% das gestações clinicamente diagnosticadas terminam em abortamento espontâneo, com 80% delas ocorrendo no primeiro trimestre. As causas são diversas, mas alterações cromossômicas, como a síndrome de Turner, são responsáveis por 60% dos casos no primeiro trimestre.

A vivência do abortamento é, muitas vezes, acompanhada por sentimentos de angústia, culpa e autocensura. Conforme aponta a médica ginecologista Giovanna Milan, professora do IDOMED, mulheres que passam por essa experiência frequentemente verbalizam apenas suas queixas físicas, calando-se sobre seus sentimentos mais profundos. “Elas podem sentir medo de falar, de serem punidas ou humilhadas, além da sensação de incapacidade de engravidar novamente”, explica.

A falta de acolhimento adequado nos serviços de saúde agrava esse cenário. “O atendimento precisa incluir aconselhamento reprodutivo e psicológico, garantindo que a mulher tenha informações claras e acesso a métodos anticoncepcionais, caso deseje”, acrescenta a especialista.

O luto por um bebê que ainda não nasceu carrega uma complexidade única. Segundo o psicólogo e professor da Estácio, Renato Cezar Silvério Júnior, “a gestação e o nascimento

simbolizam vida e esperança, o que torna a perda algo paradoxal e ainda mais desafiador”. Ele ressalta que sentimento de culpa são comuns, com a mulher questionando se poderia ter feito algo para evitar o desfecho.

As crenças de punição divina ou destino podem surgir, intensificando o sofrimento. “O bebê, mesmo antes de nascer, já é idealizado, recebe um nome e ocupa um lugar na família. Sua ausência deixa um vazio difícil de superar, e o amor projetado precisa encontrar novos caminhos para se manifestar”, destaca.

A superação do luto gestacional exige uma rede de apoio sólida, que valide a dor da perda e promova o afastamento de culpas infundadas. “A tristeza é parte natural desse processo e precisa de espaço para ser expressada e elaborada. Porém, se a dor comprometer gravemente a funcionalidade da mãe ou dos familiares, é essencial buscar o auxílio de um profissional de psicologia”, alerta o professor Renato.

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